Gramáticas Pardas
Comecemos com uma proposição: Procuremos entender Gramáticas pardas de Carla Cruz e Cláudia Lopes como um sistema. Um sistema de integração que opera sobre um conjunto de coisas – sejam elas criadas, encontradas, imaginadas, sugeridas ou intuídas. Entendamos agora todas estas coisas como sistemas em si mesmos, individuais, mas interdependentes, conectados ou compenetrados (para usar uma expressão de Coccia). Nada nos seus corpos, na natureza das suas existências, é passível de desligamento. Um sistema de sistemas em perpétuo contágio.
Uma gramática é, por si só, um sistema. Um sistema referencial que procura organizar um outro sistema (a linguagem), composto por inúmeros outros sistemas interconectados entre si (palavras). A sua condição parda (no domínio que agora nos ocupa) aproxima-nos de uma ideia de sistema não-inscrito, não-formal, auto-regulado na sua indecifrabilidade. Algo que se estabelece fora do olhar imediato, fora da norma reconhecível, excêntrico na sua geografia física, mas potencialmente central na sua geografia emocional. Talvez estejamos a falar de uma gramática da invisibilidade, que atravessa paisagens, corpos, memórias e territórios descartados, periféricos, semi-ocultos, fixando-se precisamente na sua condição de liminaridade. Uma gramática ruderal.”
Excerto do texto O meu tempo é o tempo de todas as coisas, de Ana Anacleto, 2025