FAZEMOS O MUNDO À NOSSA IMAGEM
Quem são os responsáveis pelo estado do mundo em que vivemos?
Há sempre uma entidade anónima e superior que impõe, dirige, organiza, decide, que nos trama, é injusta, cega, incompetente, tirana, ou protectora, defensora, moralmente superior, inteligente, omnipresente, omnipotente, legisladora, juíza, etc, ‘eles’. MAS ‘eles’ somos nós!
A ideia e prática da democracia está em crise um pouco por toda a parte e o estado de guerra permanente e generalizado delapida as formas democráticas remanescentes, assim analisam Hardt e Negri no seu livro Multidão. “O problema da democracia num mundo global aparece juntamente com o problema da guerra. Confrontamo-nos com um estado global de guerra em que a violência pode irromper em qualquer lugar e a qualquer momento…”
“Péricles define a democracia na Atenas da Antiguidade como o governo de muitos por oposição ao governo de poucos, aristocracia ou oligarquia e ao governo de um só, monarquia ou tirania. A segunda grande noção de democracia é a sua noção de representação. A representação foi pensada como sendo o mecanismo prático moderno que tornaria viável o governo republicano… liga o governo à multidão e ao mesmo tempo separa-o dela.” Qual então o possível devir democrático?
A criação do mundo questiona a noção de cidadania e participação de cada um de nós na construção da sociedade, seja esta activamente ou passivamente. Pois de alguma forma a nossa renúncia a participação na construção da sociedade, por isso ser um problema d”eles”, faz de nós tão responsáveis como “eles” pelo estado das coisas.
Neste descrédito democrático surgem apontadas possíveis saídas, sendo uma delas o conceito de multidão de Hardt e Negri, que acreditam que a multidão, diferentemente da noção de massa, na sua unidade na diferença, tem o poder para introduzir uma nova possibilidade política, dando o exemplo do open source como modo de funcionamento possível. “Quando um código fonte é aberto, permitindo o acesso de todos aos seus dados, torna-se mais fácil de resolver os bugs e melhorar os programas produzidos: com efeito, quantos mais indivíduos conhecerem um programa e quantos mais puderem trabalhar nele, melhor o programa se torna.” É a noção de inteligência de enxame, em que juntos somos mais inteligentes do que qualquer um de nós poderia ser por si só. “ O open source não tem por resultado nem a confusão nem o desperdício de energias. Funciona efectivamente. O modo como opera a democracia da multidão é a que considera esta como uma sociedade open source, permitindo-nos cooperar para resolvermos os seus bugs e criarmos novos e melhores programas sociais.”
Desta forma a criação do mundo, que parte da célebre descrição bíblica da criação do mundo por Deus, que “fez primeiro o céu e a terra. Depois fez a luz. Viu que a luz era boa, etc… e fez o Homem à sua imagem e semelhança”, aponta a criação do mundo para a humanidade, desresponsabilizando um possível “eles” superior que criou um mundo e estado de coisas imutável que aceitamos tal como é, como punição pelo pecado original. Duma forma mais pagã como no teatro Brechtiano consciencializamo-nos que o mundo é mutável e passível de ser transformado. Somos nós os actores deste teatro, o mundo é da nossa responsabilidade. A Criação do Mundo pode ser um convite à participação na construção democrática da sociedade, uma tomada de consciência do papel que jogamos nela.