Exposição Inerte

14/03/2023

Do silêncio da montanha…

“Andando, andando, chegou a um dédalo de caminhos, por um dos quais rolavam vagonetas, por outros ia e vinha o pessoal particular dos engenheiros e agentes técnicos, com as vivendas muito senhoris e claras à retaguarda de pequenas platibandas enfeitadas de pelargónios e eloendros. E, passos adiante, ao salvar a corcova do terreno, descobriu-se o formigueiro humano a seus olhos admirados, repartido em turmas consoante a natureza das tarefas, desprendendo uma barulheira a que era como abóbada o zunzum infernal dos volantes que se não viam. Até bem longe, quinhentos a mil metros, se via gente, mulheres que lavavam a terra mineralizada ao ar livre e debaixo de telheiros, braços arremangados, pés descalços, sai colhida entre os joelhos para a água não esperrinchar pelas pernas acima. Rapazotes, com boinas de homem, sem cor à força de usadas, a carne tenra a espreitar das camisas cheias de surro e em frangalhos, vinham baldear no monte o carrinho atestado de calhaus em que coruscavam com o sol as pirites e palhetas e volframina. Mais ao largo, grande caterva de homens abria uma trincheira, e outra, para o morro, levava um banco de pedra e saibro à ponta de ferro e picareta. Aqui e além trabalhadores borcavam a rocha, enquanto a outros incumbia carregar os tiros de pólvora bombardeira. Crispados às varas dos sarilhos, muitos extraíam o resulho dos poços ou enxugavam-lhes a água para o trabalho prosseguir eficazmente. Era subterrânea, por vezes a dezenas de metros de profundidade, que se exercia a actividade capital da mina, com revólveres de ar comprimido a demolir o quartzo, piquetes de entivadores especializados a escorar as galerias, bombas elétricas e manuais a sorver a água dos regueirões, escombreiros, mineiros de guilho e marreta, homens e mais homens à carga e à descarga – pessoal complexo, testo e sabido na manobra. À superfície era como um arraial. Por cima dos gritos, comandos, falas desencontradas, do retinir das ferramentas e estreloiçar das vagonas e raposas, o dínamo pulsava e a sua pancada mate e ensurdecedora criava este tónus especial, semibárbaro e feroz, da indústria moderna, homem e máquina conjugados.” Aquilino Ribeiro, 1943, Volfrâmio, Lisboa: Bertrand, pp.69-71.

Agora tudo é inerte, na escombreira só se ouve o vento.

Desde 2020 que Carla Cruz & Cláudia Lopes desenvolvem reflexões conjuntas que incidem sobre questões como: tempo, circularidade, fragmentos, marcas, sedimentações, paisagem natural, contruída, transformada e ficcionada, temporalidades cruzadas, fins de mundo e outras prefigurações especulativas. Os trabalhos em mostra nesta exposição são parte do resultado de um projeto de investigação na região de Arouca.